deixem vagas minhas lacunas

eu convivo com umas pessoas toscas, grosseiras. algumas pela falta de caráter, outras pela falta de jeito mesmo. gente com rugas ainda invisíveis no rosto, mas cheias de vincos no resto do corpo e da memória. mas também conheço umas pessoas – e claro, não são tantas assim – que são muito fofas. dessas que transbordam leveza e generosidade e eu fico até comovida com tanta disposição pra colorir o mundo. são pessoas que dizem se surpreender “com tantas gentes lindas”.

eu tenho uma amiga assim, uma grande amiga. ela nem quer mais conhecer pessoas, porque tá ficando sem tempo de atender tantos amigos incríveis, maravilhosos e indispensáveis (palavras dela, juro). e olha, ela não é trouxa, não, é só muito colorida, muito generosa, muito disposta. tem vezes que olho pra ela com uma grande cara de interrogação. diferente de outras pessoas, eu não tenho o impulso de repelir toda essa alegria. nada, quero-a bem pertinho de mim.

mas não era nem nisso que eu tava pensando, na verdade. era que eu não consigo. não sei se é uma coisa inata, se é adquirida, se é resistência ou se é medo, mas o lirismo me escapa o tempo todo. já fiz declarações de amor que senti vergonha ao ler em voz alta. percebo que com isso, as minhas pessoas fofas acham que comigo só devem conversar sobre concreto. já fugi de conversas sobre política, mas elas me perseguem. engraçado ainda é ver a surpresa de uns porque depois de uns gorós me escutam divagar sobre qual o quê. e cara, não sou nem concreto, nem diamante.