Monday, November 10, 2008

ira

A manhã estava encaminhada, mas meus olhos não concordavam com aquele sol. Saí de casa atrasada e afogada, como de costume. Tem algo de boicotador nisso, mas sou incapaz de sair de casa correndo. Run, baby, run? No way.

Fechei o portão por volta das 8h30. levantei os olhos e mirei a preocupação. Ninguém no ponto de ônibus. Levei uns meses pra entender a obviedade da cena: em dia e horário de trabalho, ponto de ônibus vazio significa que você está mais atrasado do que o normal.
Subi sem pressa, sentei. Ajeito os fones de ouvido e sem critério aperto o play. Penso que se acender um cigarro, o ônibus certamente chegará rápido.

Abro o bobo livro que lia e dou vazão a uma espécie de abstração dissimulada que eu só atinjo quando não tenho saída. Algum tempo depois tive que fechar o livro, fechar os olhos e só sentir o que ouvia.

A Manu me passou o Lenine há meses e eu nunca parei pra ouvir. Tenho uma simpatia pelo som dele, a melodia, mas não nutria qualquer apego. Mas caralho. Atirador me causou um turbilhão de sensações arrebatadoras.

Atire a primeira, atire a segunda, iaiá
até descarregar o tambor, até apagar a luz de ioiô
Até nunca mais,já vingou.

Impossível continuar lendo o que fosse. Tive certeza que se fosse mesmo livre, sem medo do ridículo e disposta a sempre atender meus impulsos, teria me levantado daquele banco, sairia cantando alto, simulando o tocar de tambores. Imagina a cena. É ridícula, algo lamentável, mas foi isso que eu senti. Risível, delicioso.

Atirador quando compra a vingança alheia, tem que ter veneno na veia.

Hoje, de novo, vim ouvindo-a. Me arrepiei, fechei os olhos. Repeti todos os pensamentos do dia anterior. Vontade louca de estar em um show ou outra grande manifestação, quando eu mando o superego dormir.

Atirador é o dublê da ira.

Não acho que qualquer encantamento que seja precise de explicação. E talvez pense assim justamente porque não verbalizo a maior parte das coisas que me arrebatam. As paixões, pra mim, tendem a ser auto-explicativas.

Só essa pensei em explicar. Às vezes, me sinto dublê da ira.

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